Eating Disorder - The process
Eu era acima do peso. Sempre que ia às consultas de rotina de ano e ano ouvia sempre a "piadinha" sobre o meu corpo, e só de olhar à minha volta sentia que era sempre a mais gorda, a mais feia e a mais desajeitada do meu grupo de amigas. Durante uns tempos vivi um pouco na sombra do que achava que nunca poderia vir a ser. Então, chegava a casa e para me consolar por me sentir um total fracasso o dia todo, comia. Comia 1 gelado, 2, e 3. Depois vinha o pote de nutella à colherada e de seguida o bolo que tinham feito no dia anterior. Guardava os plásticos de tudo nos armários do meu quarto para ninguém dar conta que tinha cometido tanto, e o ciclo repetia-se. Era sempre a última em tudo nas aulas de desporto, tinha ansiedade quando tinha aula de ed. física na escola naquele dia, e sentia que toda a gente ficava a olhar para mim a rir-se sempre que fazia alguma coisa. Sentia que não tinha controlo da minha vida, e a única coisa que fazia a essa respeito era pois, comer.
O ano chegou em que me cansei de ser essa minha versão. Queria mudar. Melhor ainda, queria provar a todos aqueles que diziam que eu nunca conseguia mudar porque a minha genética era ter "perninhas e bracinhos gordos tal como a tua mãe". Tive diversas fases, e foram uns 4 anos em que experimentei muitas atividades diferentes. Comecei por entrar em aulas guiadas com outras pessoas, depois comecei a gostar mais de correr sozinha, um ano depois entrei no ginásio e assim por diante. Devo dizer que foram anos em que aprendi mesmo muito, a cuidar de mim, a gostar do meu corpo, a adorar mexer-me, a realmente divertir-me a fazer desporto. Tornou-se a minha identidade. Era quem eu era, porque se não conseguia sequer fazer isso direito era porque não conseguia fazer mais nada direito. Se isso desaparecesse, seria então alguém que não se esforçava para nada na vida. E foi esse hábito que despoletou muitos outros novos que realmente me fizeram tornar uma versão melhor de mim. E no final da noite quando ia dormir, sentia-me orgulhosa do que tinha feito naquele dia.
Mas com isso veio também o começo do meu livro de regras. Algo que me dava controlo. No início comecei por definir que só podia comer comida sem muito açúcar, sem chocolate ou sal. Sentia que isso era o que me dava controlo da minha vida. Cresci numa família um pouco rígida e com bastantes regras. Já que não tinha mais controlo de nada, ao menos podia ter controlo de como o meu corpo seria e daquilo que comia. Comecei também a ser elogiada pela minha força de vontade e willpower por não comer um doce, qualquer que este fosse, mesmo quando toda a gente o estava a fazer. E isso mostrou-me que de facto estava no bom caminho.
Mas passaram-se uns meses e essas regras deixaram de me fazer sentir no controlo. E adicionei mais: nunca colocar mais do que certa quantidade no prato, nunca repetir, nunca comer sobremesa, nunca comer mais que 1400 calorias, nunca comer mais do que as pessoas que estão comigo.
E com isto mais uns meses se passaram, e reencontrei alguém que já não via há algum tempo e essa mesma pessoa chamou-me à razão. Assustou-se quando me viu e avisou-me que o que estava a fazer não podia estar bem. Já várias pessoas me tinham dito que estava bastante magra mas nunca tinha, até àquele momento, percebido que aquilo não era algo bom. Já não era mais a rapariga com o peso a mais, já não era algo positivo afirmarem que estava mais magra. Mas eu não sabia, ou talvez não quisesse saber. Sabia bem subir à balança e ver 1 kg a menos, e depois 2, 5, 10. Mas aquele comentário realmente pôs-me a pensar. Foi de alguém que eu realmente prezo e valorizo e fez-me começar a a abrir os olhos. Se calhar eu não estava mesmo bem, se calhar o que eu achava que era normal talvez não fosse assim tão normal.
Decidi que talvez não conseguisse resolver o problema sozinha e decidi pedir ajuda às pessoas mais próximas. Mas talvez o que ninguém perceba é que o processo de recuperação de um distúrbio alimentar não é linear. Nada o é. E o que aconteceu foi que, ao ter as pessoas ao meu redor mais atentas ao que comia, decidi criar novas regras: não comer se não estiver ninguém comigo, mentir acerca do que comi, não comer a não ser que esteja a morrer de fome, nunca beber calorias, fazer mais exercício para compensar o que comi. E a mais importante: se não fiz exercício no dia, não tenho direito a comer. Porque raio mereceria eu comer algo, se não fiz nada para o merecer? Custa ver as pessoas à nossa volta realmente assustadas e preocupadas connosco mas não conseguia parar. Não queria voltar a sentir-me mal outra vez, não queria voltar a olhar-me no espelho e ver o que via antes. Tinha medo, tenho medo. Os meus pensamentos mais comuns eram/são o medo de engordar, e não tanto porque outros não iam gostar, mas porque eu não ia gostar de mim mesma. Não queria voltar a ser o meu antigo eu, gorda e invisível. Queria sentir-me bem, queria sentir-me leve, queria apenas gostar de mim.
Isto é quem eu sou. Esta é a minha identidade. Se eu deixar de fazer isto, se deixar de comer desta maneira, se deixar de ter esta vida de que eu sinto ter controlo, o que me resta mais? Deixo de ser a pessoa com tanto autocontrolo que admirava ser, passo apenas a ser alguém medíocre. E para quê?
O processo é longo e realmente a única coisa que as pessoas que sofrem deste tipo de problema precisam é de sentirem que o pessoal de que gostam está lá para elas. Não que as controlem, mas que as apoiem, mostrando que elas devem melhorar e recuperar porque é algo bom para elas. Eu estou realmente no meu processo de aceitar toda esta situação e aprender a recuperar dela. O que mais me anima e me faz fazer as escolhas certas e não me perder de novo nas más são as pessoas que se preocupam comigo.
Não é suposto julgar alguém com um distúrbio alimentar. Não é motivo de vergonha, e ninguém escolhe ter de passar por algo assim. São um mecanismo de cooperação, tornam o dia-a-dia mais simples pois dão a sensação de controlo sobre a nossa vida. E apesar de por vezes sentir que estou nisto sozinha, sei que não o estou. E vou ser capaz de dar a volta por cima.